A286

Kalmia latifolia

A286
Agora não há mais o que fazer
Definitivamente acabou
A esperança de um dia mudar
E voltar a ser como quando tudo começou

Quem vai entender meus motivo
O por quê guardei tudo pra mim
Como sustentaria meu filho
A maquiagem esconde e os cortes
Nem foi tão fundo assim

Pra quem vê de fora é fácil condenar
Era só separar
Sem o pai dos seus filhos, doentio e possessivo
Ameaçando te matar e se matar

Descrevendo seus passos, sua roupa
Seus atos em mensagem por celular
Cego, obcecado, fantasiando caso
Te perseguindo vigiando trabalhar

E você dividida
Refém, entre a paixão e o rancor
Uma vida de foragida ou resgatar a família
Que tanto sonhou e sempre amou

Pra quem vê de fora é fácil, eu sei
Também cansei de julgar
Na equívoca convicção
Só acontece com os outros
Sem nunca se pôr no lugar

Só acontece com os outros mesmo
Mas agora os outros é você
No deserto do lar sob chuva de soco
Sem sucesso tentando se proteger

Essa foi a última vez
Vou fugir e denuncio o covarde
Desde o primeiro murro que minto pra mim
Agora acabou de verdade

Até a cena de praxe das lágrimas
Convincente em suas declarações
Eu, como sempre vencida pelo presente
Uma rosa e um bilhete com mil perdões

Pra nem uma semana depois
Ver a metamorfose das frases
E as declarações vir em sequência
De bica, paulada e o afundamento da face

Me perdoa, mãe
Omiti pra te não ver chorar
Das mentiras às contradições
Só tiveram a intenção de te poupar

Não precisa esperar eu pra dormir
Descobri que o amor também mata
Hoje o Romeu não trouxe flor
E eu não volto pra casa

Da religião à cultura esportiva
Da educação à pornografia
A conduta não se justifica ao que aprende
Mas ao que ensina

O ambiente constrói hábitos
Que aparentam autorizar tal comportamento
Contribuindo com a ação abusiva
Que a alma traumatiza e causa sangramento

A não submissão à tortura, aos maus tratos
Da porta pra dentro
Ainda é um sonho não sonhado
A razão não tem gênero, mas em diversos lares
Da nossa sociedade evoluída
Ainda se preserva o único direito
Apanhar em silêncio

Com incontáveis hematomas no corpo
Impossibilitando trabalhar
Sem coragem de se olhar no espelho
Nem de denunciar

Sem desculpa dessa vez
A saída foi o total confinamento
Já que o olho roxo semana passada
Já foi a que escorregou lavando o banheiro

É o moderno romantismo medieval
Que só entende
Quem não entende o que te prende
À essa dependência sentimental

Se questionando incansavelmente
Porquê que tem que ser assim
E quanto mais se despreza
Mais sente falta e mais nojo sente de si

Estrelando a contraditória
Epopeia das pétalas esquecidas, que traz
Como protagonista do cuspe na cara
Ao mesmo que te proporcionou
Os melhores dias de vida

A expressão angelical
Sem aparente sinal vital
Descreve a eficiência da justiça
Com um projétil alojado na nuca
Trazendo na bolsa
A folha da medida protetiva

Avisa o oficial
Que já não há mais o que depor, na moral
Que nossas leis representam
Um avanço significativo
Só no campo conceitual

Que aqui os números assustam
A opinião pública
Mas não estimula a ação
Comprovando que o problema é cultural
Não de legislação

E a incógnita que desafia a psiquiatria
Continua sem resposta
Hoje não precisa esperar ela pra dormir
Só não esquece o caixão cor de rosa!

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