Retrato falado
Dandara manoelaSuas histórias, suas memórias, seu penar
Tantos planos, desenganos, tanta dor
Solidão, viver, crescer, sem ter amor
Ela apanhava tanto até a alma sangrar, mulher
E a menina filha, vó, debaixo da mesa, observava o derramar
Escondida, encolhida, com coberta de sangue, tremia de medo
Acompanhada da sua pouca idade, teve parte da vida um segredo
Tantos tapas, tantos gritos, tantas noites, tanto dor
Até que um dia a menina filha, resolveu falar
Foi na delegacia, foi lá denunciar
E aí, te tacaram numa cela, tiraram sua roupa e seu valor
E a menina sangrou na pele tudo que lhe restava de amor
A prenderam a força, contra a parede, contra moral
E do dia pra noite, a menina filha, ficou grávida, grávida do policial
Então, foi menina de vez, mulher, chorando perdida entre valas e vielas
E a cada esquina que passava, sua sanidade pingava em gotas no chão
Que aos poucos formavam um rio de perigo
Sujando o caminho sem proteção
Perambulava sozinha, de um canto pro outro, pra lá e pra cá
E a cidade de pau sujo, tinha coragem do seu corpo cobiçar
Filha do crime perfeito, a criança nasceu, mãe
E a menina filha teve que entregar
Não tinha como cuidar, mas é abandono, é absurdo, transtorno
Te julgaram, te cuspiram, te pisaram
E debaixo da mesa, observava o derramar
Entre o hospício e o precipício foi crescendo
Em meio ao ódio e o doce rebelde viver
Sem entender a desordem de cada amanhecer
Engravidou de mim e quis abortar a missão
De mais uma geração mulher, que sofre o abuso da solidão