Fagner

O bicho homem

Fagner
Que bicho é o homem, de onde ele veio para onde vai?
De onde ele veio para onde vai?
Onde é que entra, de onde é que sai?
Que raio lhe acende a chama da fúria
O que é que sobra da cesta básica de sua penúria
Que bicho é o homem, do que se enfeita que mão o ampara
No chão de enigmas em que se deita
Que bicho é o homem
Que mama no seio da reminiscência
E que embala a morte em seu devaneio
Que bicho é esse que carrega o fardo de uma dor medonha
Que sucumbe o fardo mas ainda sonha?
Que bicho vagueia na treva hedionda
Que pantera esguia será mais veloz do que a própria sombra?

O homem que tece as malhas da lei, que bicho é o homem
Que transforma em pêssego as fezes do rei?
Que bicho é o homem que ama e desama, que afaga e magoa
E que às vezes lembra um anjo em pessoa?
O homem que vai para a eternidade num saco de lixo
Que bicho é o homem de salário fixo?
Que bicho é o homem que trapaceia, que às vezes pensa
Que é mais brilhante do que a papa ceia?
Que bicho é esse que escreve as vogais das cinzas do pai?
De onde ele veio e para onde vai?
Que bicho é o homem que se interroga léguas de volúpia
Sonhos e utopias tudo se evapora
Que bicho é o homem de argila e colosso que lavra e semeia?
Mas só colhe insônias em lavoura alheia?
Os rastros do homem no vento ou na água são rastros de fera
Mas que bicho é esse que se dilacera?
O homem suplica, os deuses concedem, que bicho é o homem
Que sempre regressa às praias do Éden?
Que bicho é o homem que escreve poemas na aurora agônica
E depois acende a fogueira atômica?

Que bicho te oferta um ramo de rimas
E à sombra dos mortos semeia gemidos por sete Hiroximas?
Que bicho te espreita aos olhos dos becos
Onde os cães insones mastigam as sombras dos antigos donos?
Que bicho é o homem que rasteja e voa, que se ergue e cai?
De onde ele veio e para onde vai?
Que bicho é o homem, de onde ele veio e para onde vai?
Onde é que entra de onde é que sai?

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