O engraxador
Luísa sobralTodas as caras
Todas as pernas que caminham apressadas
Nada mudou,
Talvez a moda
Talvez a fivela do sapato seja agora
Uma fita de velcro cor-de-rosa
Ele sabe de cor
Estranhos segredos
Das velhas que vivem a falar pelos cotovelos
Nada mudou,
Talvez a moda
Talvez o sapato de pelica seja agora
Uma bota de verniz e pele de cobra
E sentado na cadeira gasta
De gente e de restos de graxa
Imagina-se num teatro inglês
A recitar Shakespeare em Português
Com a camisa e gravata de cerimônia
E depois da actuação
O olhar de comoção
Põe um ponto no grande retrato
Um aplauso ensurdecedor
Faz com que o engraxador
Enfeite de lágrimas a gravata de cetim
E sentado na cadeira gasta,
De gente e de restos de graxa
Imagina-se num teatro inglês
A recitar Shakespeare em Português
Com a camisa e gravata de cerimônia
Acorda então em sobressalto
Porque a graxa do sapato
Do cliente amargurado chegara ao fim