O homem que engoliu a própria voz
Luiz gabriel lopesUnhas quebradas, os dedos no asfalto
E levantou pra saber o caminho, contar o dinheiro no bolso e tomar um café
Ele sabia que não dava pé
Doce nas veias, o peito no asfalto
Alguma coisa entalada na sua barriga fazia borbulhos com gosto de sal
Ele partia pra um dia, seria normal
Não fosse o fato musicável que transforma nosso personagem numa pausa acidental
Poucas moedas valendo um café
Passo impreciso, chega ao balcão
Olhos nos olhos da bela morena atendente daquela birosca na beira do cais
Ele sabia que não dava mais
Peito nostálgico toca o balcão
Meia palavra na goela prestes a saltar mas é que o pensamento dele escorregou
E no instante da fala não havia som
Mas uma pausa atravessada na garganta desse personagem que engoliu a voz
Com tantos sons, palavras, medos, melodias, saltos, quedas
E um pedaço de si mesmo entalado pelo avesso
Nunca mais
Ou até amanhã
Será que vai voar?
Será que vai descer?
Lá na birosca ninguém percebeu
Só a bela morena sorriu sem saber
E no buraco entre a fala e o silêncio dito a menina repete a pergunta: pois não?
E era silêncio por sobre o balcão
Boquiaberto, já não pôde dizer
Foi nessa hora que a ficha caiu e o martelo da goela bateu, campainha secou
Toda a cidade buzina, faróis amarelos
Mil semáforos vermelhos na garganta feito um grande brejo sem cordas vocais
Volta pra rua com os olhos no chão
Sufocado e calado e sem pão, sem café
Arrebentou-se a fé que ele tinha ou não tinha, sei lá, tanto faz, não interessa a ninguém
Já não se importa se tem ou não tem
Do miolo da rua um bueiro sorri
Lhe convidando ao salto pro meio do asfalto com os braços pro alto e as pernas pro ar
E era tamanho o aperto no fundo do peito
E a força bruta do silêncio transformava a maldita agonia no milagre de voar
Com tantos sons, palavras, medos, melodias, saltos, quedas
E um pedaço de si mesmo entalado pelo avesso
Nunca mais
Ou até amanhã
Vai voar
Vai voar
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