Pequeno conto de clarice
Noção de nadaPequeno Conto de Clarice
Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração?
(Caetano Veloso - Clarice)
Clarice amava e seu amor era uma saudade que transbordava. Um eterno fim de verão. Em Clarice chovia garoa fina. E Clarice ilha que era, era silêncio e saudade.
A vida toda vazio castigado dos crimes de amor não cometidos. Acordava Clarice os olhos úmidos. Clarice caminhava exilada do mundo, esquecida da cidade, sempre coberta, sempre tão fechada.
Um dia Clarice viu ternura em olhos alheios, mas estavam alheios a ela os olhos lindos. Ela é que se iludiu, confundiu-se, ofuscou-se.
E Clarice agora sabendo disso tudo, do amor desperdiçado, ainda amava. Do mesmo jeito, talvez até mais, um amor devoto, amava inteira, os cabelos de Clarice, os seus pêlos, a pele, amavam.
Clarice tinha sonhos igual a todas as outras, Clarice sonhava dias de sol, verões e calor, Clarice ia dormir se despedindo do próprio quarto, talvez sonhasse para sempre, e acordar para dizer "bom dia" para as paredes? Dormir era melhor e sonhar com pontes e montes, com mares e rios, com abraços doces. Com a luz reflexo no lago.
Mas sempre ela acordava e Clarice era uma só, despedaçada e espalhada pelos cantos do mundo em que queria estar, juntar-se levava tempo. E sempre ainda, chovia garoa fina sobre os olhos.
Clarice era morena como as manhãs são morenas, era pequena no jeito de não ser quase ninguém. A não ser por que o amor que guiava, cego e gigante, tropeçava em sua vida e ocupava todos os espaços. Bagunçava a bagagem, borrava a maquiagem, era tatuagem invisível.
Mas Clarice às vezes era esperança, jogava garrafas aos mar. Acendia fogueiras, fazia sinais de fumaça, sorria invisível na esperança de receber de volta os sinais. E recebia eufórica pedaços de vidro das garrafa devolvidas, mensagens cortantes, cinzas do fogo que existiu em algum lugar e olhares, graças a Deus, olhares de quem percebeu o sorriso.
E viveu assim toda a vida, como uma metáfora.