Valete

No meu quarto

Valete
Na minha cama eu tenho uma dama que eu mal conheço
Atraída por esta fama que eu às vezes exerço
Que miséria de espírito!
Ela dá o corpo e o espírito por algo cheio de nada
Que miséria de espírito a minha!
A aproveitar da degradação de valores de uma coitada
Com fascínio irracional pelo estrelato

Fascínio racional pelo aparato sem substrato
Mano, todos querem estar atracados aos mais amados
Para puderem ter a atenção dos que amam os mais amados
Carência colectiva patológica
Escravos do amor escasso é a nossa tese sociológica
Acendo a televisão
Vejo o passos de coelho a dizer que em breve saímos da recessão

Porque que a gente vota nesses políticos?
São extensões do poder econômico está mais que explicito
Assaltam o estado, dão cargos aos aliados
Das autarquias aos ministérios está tudo maniatado
Privatizam a justiça em nome deles
Instrumentalizam os media para nos deixar alienados
É a falência da democracia representativa
Que apenas pariu corrupção e uma massa passiva
Uma massa inofensiva de homens que subjugaram
Que abdicaram do país que eles usurparam e desmantelaram

Do meu quarto eu vejo tudo
É aqui que eu reflito, que eu choro e me desiludo
Do meu quarto eu vejo-me a mim
Vejo-te a ti, a tua alma e vejo o teu fim
Na aparelhagem só tocam musicas refrescantes
Sons de tamin, sacik brow e orlando santos
Músicos independentes de inegável talento
Mas com pouca projeção neste mercado aberrante

Promotores só contratam artistas da playlist
Catapultam os catapultados e o talento desiste
Os festivais estão cheios de artistas sem publico
Impostos por agências para promoverem seus músicos
Eles ignoram todo o teu buzz na internet
Se não tens tv nem rádio o teu buzz morre na retrete
Mano, esta é a industria anti-méritocracia
Promotores e editoras em pornografia doentia

Explicito na mesa de cabeceira tenho latas de coca-cola
Sacos de mc donalds é só comida rafeira
É só toxicidade que me envenena o corpo
Por dentro eu sou uma lixeira de comida carniceira
Sou mais uma vitima dessa publicidade

Que nos cerca, para nos por nos impor vontades e necessidades
Andamos sempre doentes a comer o que eles publicitam
Depois médicos dão-nos medicamentos que não nos reabilitam
Claro, medicamentos que te aliviam só temporariamente
Para seres obrigado a compra-los infinitamente
Assim vamos alimentando a industria farmacêutica
Eles bilionários e nós doentes sem terapêutica

Do meu quarto eu vejo tudo
É aqui que eu reflito, que eu choro e me desiludo
Do meu quarto eu vejo-me a mim
Vejo-te a ti, a tua alma e vejo o teu fim
Vou para o computador
Abro o meu facebook

São 5 da manha e ainda há bué gente a postar cenas
Desabafam problemas, criticam o sistema
Sugerem temas, partilham lemas e poemas
Tudo com o propósito de obter atenção
E vale tudo em busca dessa atenção suprema
O afecto e a atenção que o mundo real não lhes deu
O mundo real que nos tornou em cegos ou ateus
O mundo real o da competição mortal

O mundo canibal onde toda a gente é rival
Onde o amor não dá sinal
E já avista o seu funeral
Onde viver é infernal
Por isso só nos resta o virtual
Da janela eu vejo pessoas a irem para o trabalho
Abatidas, deprimidas sem vida como espantalhos

Resignadas num trabalham que nunca desejaram ter
Resignadas na ideia que têm de ser escravas para viver
Mano, viveram assim escravos a vida toda
Sem alegria para oferecer sem sonhos para renascer
Mano, estamos todos atrás desse dinheiro necessário
Elemento prioritário neste sistema monetário

Que te diz que ser feliz e realizado é secundário
E que sem um salário tu não existes neste calvário
Eu vejo toda a nossa degradação no meu quarto
Diz-me, vês o mesmo do teu quarto?
Do meu quarto eu vejo tudo
É aqui que eu reflicto, que eu choro e me desiludo
Do meu quarto eu vejo-me a mim
Vejo-te a ti, a tua alma e vejo o teu fim

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