Comedor de gilete (pau-de-arara)
Ary toledoEu não tinha nada que fome que eu tinha
Que seca danada no meu ceará
Eu peguei e juntei um restinho
De coisas que eu tinha
Duas calça velha e uma violinha
E num pau-de-arara toquei para cá
E de noite eu ficava na praia de copacabana
Zanzando na praia de copacabana
Cantando o xaxado pras moças olhar
Virgem santa! Que a fome era tanta
Que nem voz eu tinha
Meu Deus quanta moça, que fome que eu tinha
Zanzando na praia pra lá e pra cá
Foi aí então que eu arresolvi a comer gilete
Tinha um cumpadre meu lá de quixeramubim
Que ganhou um dinheirão comendo gilete na praia de copacabana
Eu não sei não, mas eu acho que ele comeu tanta, mas tanta
Que quando eu cheguei lá aquela gente toda
Já estava até com indigestão de tanto ver o cabra comer gilete
Uma vez eu disse assim prum moço que vinha passando
Ô decente, vosmecê não deixa eu comer uma giletezinha pra vosmecê ver?
Tu não te manca não, ô pau-de-arara?
Só uma, que eu ainda não comi nadinha hoje
Você enche, ein?
Aquilo me deixou tão aperreado
Que se não fosse o amor que eu tinha na minha violinha
Eu tinha rebentado ela na cabeça daquele filho de uma égua!
Puxa vida, não tinha uma vida pior do que a minha
Que vida danada que fome que eu tinha
Mais fome que eu tinha no meu ceará
Quando eu via toda aquela gente num come-que-come
Eu juro que tinha saudade da fome
Da fome que eu tinha no meu ceará
E aí eu pegava e cantava e dançava o xaxado
E só conseguia porque no xaxado
A gente só pode mesmo se arrastar
Virgem santa! A fome era tanta que mais parecia
Que mesmo xaxando meu corpo subia
Igual se tivesse querendo voar
Às vezes a fome era tanta que volta e meia
A gente arrumava uma briguinha pra ver se pegava a bóia lá do xadrez
Êta quentinho bom no estômago!
Com perdão da palavra, a gente devolvia tudo depois
Que a bóia já vinha estragada
Mas enquanto ela ficava quietinha lá dentro, que felicidade!
Não, mas agora as coisas tão melhorando
Tem uma dona lá no lebron que gosta muito de ver é eu comer caco de vrídrio
Com isso eu já juntei uns quinhentos merréis
Quando juntar um pouco mais, vou-me embora, volto pro meu ceará!
Vou voltar para o meu ceará
Porque lá tenho nome
Aqui não sou nada, sou só zé-com-fome
Sou só pau-de-arara, nem sei mais cantar
Vou picar minha mula
Vou antes que tudo rebente
Porque tô achando que o tempo tá quente
Pior do que anda não pode ficar!
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