Tempus
Oscar melindraE as nuvens, eram alvuras
Frágil quimera em quem me penetro
É no teu abraço que tropeço
Tu, cujo perfume me sufoca
Dormes na minha insônia perpétua
E, neste poema em que me embriago
Dor de aço, brisa noturna para-me no regaço
Ainda ontem tínhamos dezassete anos
E os dedos teus, feitos meus
Plantavam estrelas no olhar
Tudo nos mentiu e separou
Frágil perenidade do verbo amar
Onde, feitos troianos, desenhamos meridianos
Eu, cuja nudez eclodiu da profundidade
Neste débil mundo em que doí pensar-te
Desenhei a cicatriz de hemera
Vitima da sensibilidade
Ainda ontem a minha idade era a tua
E a tua minha num arvorar de cores do fim
Rasga um voo de águia na madrugada
Adormecem poetas
Desfazem-se os amantes
Sobrevivem os homens do lixo
Sem saber a qual das duas questionar o que é a vida
E nós, cujas sombras a luz já apagou
Somos um compêndio sórdido de silêncio
Outrora eco
Hoje, já não temos idade
E estas janelas mais não são do que paredes mascaradas
Pesa-nos a identidade
Dói-nos o beijo de duas almas abençoadas
Quiçá, um dia apaixonadas
Tu e eu, a quem o futuro se vestiu de sépia
Num rasgar de asa veraneio
O mesmo calor com que te anseio
Ainda ontem tínhamos cinquenta e sete anos
E o tempo era um lugar cativo
Discreto inimigo
Mas amanhã, quando te chorar ao mundo
Já teremos cinquenta e oito anos
E os nossos dias
Continuarão cinzentos, eternos cigarros inacabados
Tu, cujos lábios sabem como nenhuns
Habitarás sempre em mim
Sob o condão de eternidade
Nesta varanda que trago dentro
E onde o sol é de cristal
Eu que chamar-te-ei sempre de casa
Hei-de recordar em ti cascatas
Fragrâncias termas e puras
Arribas em que apetece mergulhar
Um dia, já não haverá idade
Nem álgebra, aritmética ou física
Apenas o pulsar da vida num
Palpitar vermelho de veias
Aí, quando o tempo poisar em nós
Hás-de sentir-te viajar comigo
Tu e eu, num perpétuo voo de asa
Eu e tu, a queimar em brasa