Samuel Úria

Lenço enxuto

Samuel Úria
Empresta-me os teus olhos uma vez
Que os meus não são de gente, apenas rapaz
É só o tempo de me aperceber
Da visão que se turva para ser de mulher

Empresta-me uma chávena de sal
E mostra-me a receita do caldo lacrimal
É só o tempo de te convencer
Que nem precipitado consigo chover

Não é um adágio que nos persegue
Que um homem só não chora porque não consegue

Empresta-me esse efeminado luto
Ser masculino é ter-se o lenço enxuto
É só o tempo de me maquilhar
De pranto transparente (a cor de mulher)

Não nasci pedra, nasci rapaz
Que um homem só não chora por não ser capaz

Os homens fazem fogo, com dois paus eles fazem fogo
Por troca ensino-te a queimar

Tu és corrente e eu finjo mar
Que um homem, para que chore, não pode chorar

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