Lunário perpétuo
Antonio nóbregaAlquimias de almanaque.
Já enfrentou intempéries,
Roubos, incêndios e saques:
Dos homens, das traças, das garras das eras.
Carrega segredos, decifra quimeras,
Venceu todos os ataques
O meu lunário perpétuo
Sob o sol é luzidio.
Meu lunário foi forjado
Num fogo de desafio,
Que vibra, esquenta, atiça, aperreia,
Faísca, enlouquece, que pega na veia.
Pelos séculos a fio.
O meu lunário perpétuo
Guarda as vozes seculares
Do profeta de canudos
E do mártir dos palmares,
Sonhando com o reino do espírito santo
Na terra, no céu, em todo recanto.
Nos terreiros e altares.
O meu lunário perpétuo
É meu livro precioso,
Minha cartilha primeira,
Minha bíblia de trancoso.
João grilo, chico, malazartes, mateus,
Os órfãos da terra, os filhos de deus,
Heróis do maravilhoso.
Meu lunário é a memória
De um país que vai passando
Diante dos nosos olhos,
Rindo, mexendo, cantando.
Mestiço, latino, caboclo, nativo.
É velho, é criança, morreu e tá vivo...
Presente, mas até quando?
Meu lunário é conselheiro,
Meu folheto, é meu missal,
Atravessando os milênios,
Cada ponto cardeal.
De norte a sul, de pai para filho,
De lá para cá, meu livrinho andarilho,
Fabuloso romançal.