António pelarigo

Naufrágio

António pelarigo
No meio da claridade
Daquele tão triste dia
Grande, grande era a cidade
E ninguém me conhecia

Rostos, carros, movimentos
Traziam noite e segredo
Só eu me sentia lento
E avançava quase a medo

Só a saudade da pátria
Longínqua, me acompanhava
Quisera voltar à serra
E ouvir o vento e a água brava

Quisera voltar ao bosque
Onde sei que sou lembrado
Voltar às leiras de Afife
E ouvir a canção tão mansa
Do pastor que guarda o gado

Mas nas ruas sinuosas
Ainda o rumor crescera
E eu contemplava assombrado
Minhas mãos ontem com rosas
Minhas mãos hoje de cera

Então passaram por mim
Uns olhos lindos depois
Julguei sonhar vendo enfim
Dois olhos como há só dois

Em todos os meus sentidos
Tive presságios de adeus
E os olhos logo perdidos
Afastaram-se dos meus

Acordei e a claridade
Fez-se maior e mais fria
Grande, grande era a cidade
E ninguém me conhecia

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