Construção de Chico Buarque Hollanda: Análise e significado completo da Letra

Por Redação 17 de August de 2019
Gravada no ano de 1971 a música “Construção” de Chico Buarque, é uma das mais famosas da MPB – Música Popular Brasileira e com uma letra brilhante.

Essa música conta a história de um trabalhador da construção civil, em seu dia de trabalho onde acontece algo totalmente inesperado, dentro do cotidiano de suas atividades.

A letra já foi eleita como uma das mais aclamadas do músico e ainda, eleita como a melhor música brasileira pela revista Rolling Stone e ainda, como a segunda melhor canção de todos os tempos, pela Folha de S. Paulo.

Para acompanhar a letra e saber qual o significado e análise da canção, basta acompanhar esse artigo.

Entenda a música Construção de Chico Buarque

Pode parecer uma canção simples, ao contar sobre o cotidiano de um determinado trabalhador da área da construção civil. Mas na verdade, os seus versos trazem muito mais do que algo cotidiano e corriqueiro.

Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

O ritmo da canção

Para aqueles que não estão totalmente familiarizados com o estudo sobre música, talvez possam pensar que mais importante do que o ritmo é a própria letra da música. 
Mas na verdade, ritmo e letra se compõe de forma única e perfeita. No caso dessa música de Chico Buarque o ritmo é proporcionado pela métrica dos versos alexandrinos.
Em especial para a análise dessa música o ritmo pode ser comparado a vida dos trabalhadores em que, seguem a rotina e existe pouca variação nos dias que se passam. Analisado por estudiosos e musicistas é a forma como o ritmo e canção são construídas, que permite a narração da temática principal da música.

Análise que se transforma em crítica social

Existem alguns pontos importantes que podem e devem ser considerados ao longo da trajetória do personagem e enredo da música. No entanto, um dos principais pontos e que acaba se transformando em uma verdadeira crítica social, é o fato da morte do trabalhador.
A morte de um trabalhador, que deveria ser tratada de forma respeitosa é na verdade entendida como algo que atrapalha a rotina, o andamento de outras atividades e o fluxo normal do dia.
A forma como o autor organizou a letra e principalmente o último trecho da música, também é uma das críticas e análises mais fortes que são realizadas, sendo uma forma de generalizar os acontecimentos como se fosse algo que sempre acontece e por tanto, não deve ser dada tanta importância.
Não só a música de Chico Buarque, mas também outras é importante que sejam analisadas sempre à luz da história e contexto histórico pois assim, é possível entender e compreender a fundo, qual a mensagem que o cantor pretende passar ou ainda, qual a crítica que está fazendo a uma determinada realidade.
Ouvindo esta música além do contexto da época, é possível analisar a letra da canção com o auxílio e conceitos de Karl Marx.
Um dos principais conceitos de Karl Marx faz menção ao capitalismo onde a burguesia, detém o poder enquanto que o trabalho e principalmente, o trabalho pesado pertence ao proletariado.
Ou seja, além de a canção ser uma forte crítica ao trabalho pesado e precário que muitas pessoas desenvolvem, pode ser entendida também como uma verdadeira crítica o fato de que são os burgueses ou poderosos que comandam o sistema enquanto os pobres precisam trabalhar arduamente e ainda, muitas vezes de forma desumana.

Construção – a realidade dos anos 70 e de hoje

No contexto em que a música foi escrita existiam milhares de pessoas que migravam em nosso país, deixando o interior e buscando nas grandes capitais formas de conseguirem trabalho e melhores condições de vida.
Apesar da expectativa e sonhos, não era bem o que acabava acontecendo e os trabalhadores, possuíam poucas condições de ter um trabalho que fosse realmente honesto e digno.
Segundo análise, é o que se retrata logo no início da música: “Subiu a construção como se fosse máquina”.
Nesse verso podemos entender que o trabalhador, realizava suas atividades de forma repetitiva ou ainda, como um trabalho desumanizado suportando uma força muito maior do que o corpo humano seria capaz.
Por sua vez, na segunda parte da música o verso diz “Subiu a construção como se fosse sólido”. 
Refletindo também a situação precária em que se encontra esse trabalhador, como se mesmo que ele caísse não lhe aconteceria nada, por ser algo sólido e até mesmo sem poder se preocupar com tal risco, uma vez que a atividade precisa ser realizada. O que sabemos, que não é o que irá acontecer ao final dessa história.
A princípio a música trata apenas da realidade do trabalhador. No entanto, em uma crítica mais profunda podemos entender que não se trata apenas do trabalhador e suas condições de trabalho, mas também, uma crítica ao sistema:
Atrapalhando o tráfego”. Não apenas o tráfego de pessoas ou de carros foi atrapalhado, uma vez em que o trabalhador “caiu na contramão”, mas o próprio tráfego do sistema capitalista.
A genialidade da música está não apenas na crítica social e que permite diversas interpretações ao longo de cada verso e trecho, de acordo com a ótica de cada pessoa, mas está também no fato de que a troca das letras em cada verso da canção, traz um novo significado para todo o contexto, em cada uma das três partes em que a música é dividida.
Esta música foi escrita e logo depois lançada no início dos anos 70 em que as condições dos trabalhadores, não eram consideradas as melhores e além dos riscos aconteciam, muitos acidentes especificamente no setor de construção civil.
No entanto dos dias de hoje, mesmo tantos anos depois ainda existem trabalhadores que não possuem as melhores situações de trabalho em diferentes segmentos e algumas, sendo realmente precárias. 
E por mais que o autor diga que a música não foi feita com essa intenção principalmente de crítica social, os versos e as situações cotidianas parecem muitas vezes estarem diretamente ligadas e ainda, se repetindo até os dias de hoje.

(Fotos via Pixabay)