Casa inacabada com baloiço na janela
Manuel pauloFeita de terra molhada
Com o céu às cavalitas
Entra, mas desculpa a confusão
Anda tudo pelo chão,
Não contava com visitas
Comigo mora gente tão diferente
Que às vezes, pontualmente,
Só falamos por sinais
Cada um tem na sua bagagem
Um bilhete de passagem
Pelos pontos cardeais
Na sala, uma velha cartomante
Lê ao cavaleiro errante
Um destino vencedor
As cartas falam de perdas e danos
Para, no correr dos panos,
Encontrar o seu amor
Ao fundo, dorme um soldado sisudo
Com umas botas de faz-tudo
E uma paixão de aluguer
O bêbado que está no quarto ao lado
Chora sempre em tom de fado
O amor de uma mulher
Aquela que tem o corpo na esquina
Diz que também foi menina
Há-de um dia ser feliz
O homem que a usou pelos quintais,
Como é norma entre iguais,
Compreende o que ela diz
Em cima fica o quarto dos amantes,
Dos poetas, viajantes
E dos loucos sem lugar
Pintaram um baloiço na janela
Com a luz de uma aguarela
Para a lua baloiçar
Assim somos vizinhos de outras crenças,
De outros livros e sentenças
Outras formas de oração
Mas quando a noite traz os seus momentos
Escapa destes aposentos
Um bater de coração
Revela-se a verdade nua e crua:
Chove mais do que na rua
Trago o fato ensopado
Aqui qualquer um é vagabundo,
Esta casa é todo o mundo
Falta só pôr o telhado