Benedito
O espírito da coisaBenedito trabalhava na Dakota Takamura Company, até que um dia seu patrão cismou que era chifrudo e fez o haraquiri. Apesar de ser temente a Deus e tão direito, Benedito ficou sendo o principal suspeito. Entrou em cana, mas quem não se engana, foi Deus que quis.
E lá na cadeia, noite lua cheia, um crioulo albino estelionatário, se encantou com o réu primário tão franzino. A justiça tarda, mas também não falha: um crioulo albino tem ciúme e tem navalha. Foi internado em péssimo estado, foi Deus que quis.
Benedito ficou sem orelha, sem um braço e sem dedão do pé. Perdeu também a língua, o olho esquerdo, mas jamais perdeu a fé. Recordava sempre uma linda melodia, que sua mãe cantarolava todo dia: Hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lo. Benedito recebeu na UTI uma visita tão querida: era sua alcatra esposa e os filhinhos, ela tava p da vida: a grana da pensão tá curta, eu fui à luta: Benedito, agora eu sou prostituta. Se o Conde D'Eu, e até o califa de Bagdá, por que não eu?
Há quem assegure, mal que sempre dure nunca existiu: é que o vigário penitenciário tanto insistiu. Após oito anos e alguns leves danos, Benedito tá na rua com seus enganos. Deus sempre ajuda quem cedo madruga, a ser feliz.
Verdade seja dita sem braço, olho, orelha e sem dedão do pé: dificulta um pouco pra arranjar trabalho, sabe, quase ninguém quer. Quem sabe, Benedito, um grupo punk baiano não faz de você o grande estouro deste ano? Vida malvada, ih, mas que nada: é Deus quem quer.
Benedito morreu congelado e embrulhado numa noite fria, bem debaixo da Dakota Takamura Companhia. Disse uma viúva num ataque de histeria que o morto assoviava uma linda melodia: Hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lo. Hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lo. Hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lili, hi Lo.