1975
Vinícius barrosSubmersa a cidade acordou
Trovoada retumbou no céu
Palafita a maré desmanchou
Diz que o Capibaribe cresceu
E comeu tudo que encontrou
Cá entre os afogados fiquei
Numa poça de lama e pavor
Muito abaixo do nível do mar
A cidade alagada respira
Nessa cidade tudo é, ou já foi, ou tem cheiro de água
Nessa cidade tudo é, ou já foi
Vão dizer que é castigo de Deus
Ou a Tapacurá que estourou
Mas o chorume escorre infame
E o concreto aterra o mangue
O cimento e o ferro encarcera
Pra compor mais bela cidadela
E a higiene dos encastelados
Joga merda na minha favela
E na margem de lixo do rio
Boia o corpo de um cão sem plumas
Nessa cidade tudo é, ou já foi, ou tem cheiro de água
Nessa cidade tudo é, ou já foi
Meritocrata capitania
Que herdada pela burguesia
Entre os caranguejos erguia
Mais barraco, fome, mais valia
Pra girar a moenda da cana
Para limpar cinzeiro e latrina
Pra teimar em vida severina
Filhos de José Mestre Carpina
Mão de obra pós diluviana
Ergue os prédios de um Novo Recife
Nessa cidade tudo é, ou já foi, ou tem cheiro de água
Nessa cidade tudo é, ou já foi, ou tem cheiro de água