Vitorino

Tango do marido infiel numa pensão do beato

Vitorino
Sem tempo para ter tempo
De ter tempo de te dar
O tempo que tu mereces
Prazeres em que tu morresses
Manhãs que não amanheces
E arrepios que estremeces
Na boca de te beijar
Fico sentado no quarto
Desta cama de pensão
Ausente, despido farto
Cansado dessas mulheres
Que ouvem sem em escutar
Que em olham sem em ver
Que em amam sem saber
Que em roçam sem tocar
Que em abraçam sem paixão
Que ignoram que eu anoiteço
Que em ensombro que escureço
Que em enrugo e envelheço
Me pregueio e apodreço
E a quem pago o que me dão:
Uma espécie de ternura
Uma imitação do amor
Lençóis que são sepultura
De carícias sem doçura
E dos meus lábios sem cor
Ai dedos no meu cabelo
Quero domá-la e vencê-la
Quero vivê-la ao meu modo
Até encontrar por fim
Aquela voz de menino
Há tantos anos perdida
Há tanto tempo esquecida
Em soluços dissolvida
A gritar dentro de mim
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